14.12.09

Uma aposta simples

Por Rui Tavares

Quando não temos conhecimento perfeito sobre os resultados possíveis de uma nossa acção, decidimos com base em probabilidades e riscos. Altas probabilidades de baixos riscos, por exemplo, tornam a inacção apetecível. Altíssimos riscos, mesmo em baixas probabilidades, urgem-nos à acção.

Existe pouca gente, no debate sobre as alterações climáticas, que pode alegar ter conhecimento perfeito - até porque conhecimento perfeito não há. Entre quem estuda o clima a sério e sabe sobre o assunto, parece haver uma quase unanimidade em dois pontos. São eles: primeiro, o clima está a mudar; segundo, a mudança tem origem na acção humana e em particular na poluição atmosférica.

Do outro lado, há também gente que estuda o assunto - em geral são não-cientistas, ou cientistas de áreas que pouco têm a ver com o assunto - e que proclama ter a certeza absoluta contrária, ou dúvidas quase absolutas sobre qualquer dos dois pontos acima. Para alguns destes opositores, não há alterações climáticas; para outros, há alterações mas que não foram provocadas pela nossa opção; para outros ainda, há alterações, foram provocadas por nós, mas não há nada que possamos ou devamos fazer.

O que uns e outros - especialmente os cépticos - parecem não ter em conta é como devem ser formuladas escolhas políticas numa situação de conhecimento imperfeito.

***

Seria óptimo - óptimo - que os cientistas estivessem errados e que os cépticos, na sua maior parte amadores, acabassem por ter acertado. No imediato, isso daria uma grande história. A longo prazo, as alterações climáticas seriam esquecidas como uma moda do tempo e acabariam por ser arrumadas ao lado de outros medos dos tempos passados.

Na prática, este é um exemplo clássico de como altíssimos riscos nos devem levar a agir de forma decisiva. Os efeitos de um aumento das temperaturas médias no planeta seriam desastrosos. E muito provavelmente serão irreversíveis. Ora, acontece que só temos um planeta para gastar. Se dermos cabo dele nos próximos tempos, acabou-se a brincadeira.

Teríamos razões suficientes para agir mesmo que fossem baixas as probabilidades de um alto risco. Mas quando a maioria dos especialistas está de acordo, teremos de admitir que são altas probabilidades de alto risco.

O que os cientistas, ambientalistas e políticos minimamente sérios têm para nos oferecer é muito: uma hipótese de salvar o planeta e, de caminho, construirmos uma indústria menos poluente, uma economia ambientalmente relançada e uma nova relação entre ciência e escolhas públicas.

E que têm para nos oferecer os cépticos? Propriamente nada. Dizem apenas: confiem em nós. Não se passa nada. Continuem a poluir como até agora.

Se os cientistas estiverem certos, safamo-nos e construímos uma economia melhor. Se estiverem errados, safamo-nos de certeza - essa é a boa notícia - e construímos na mesma uma economia melhor - essa é a segunda boa notícia.

Se os cépticos estiverem certos, continuamos com uma indústria poluente e sem incentivos para a mudar. E se os cépticos estiverem errados? - aí, lixamo-nos de vez.

O espírito de Copenhaga, para quem não tem conhecimento perfeito, só pode ser este: mesmo que se alimente a secreta esperança de os cientistas estarem errados, dar tudo por tudo para salvar o planeta como se eles estiverem - e provavelmente estão - certos.


in: Editorial do Jornal Público 10-12-2009

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