26.1.10

A Declaração de Copenhaga por Adriano Moreira


A Declaração de Copenhaga

por ADRIANO MOREIRA
 05 Janeiro 2010

Mais uma vez o passo dado na Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas de Copenhaga é decepcionante em relação às esperanças semeadas pela prévia campanha mobilizadora da opinião pública mundial. De novo o anunciado multilateralismo ficou reduzido a um escasso número de decisores, com a reserva inspirada pelas dúvidas sobre a real capacidade dos que, neste como em outros casos, são admitidos a tomar parte no anúncio de que participam nessa dignidade directora. A linguagem cuidada do angustiado secretário-geral da ONU, que não perde de vista salvaguardar a imagem da organização acima dos parcos resultados das iniciativas, adoptou o modelo mobilizador dos discursos eleitorais de Obama, e, omitindo usar a célebre, mas neste caso descabida, expressão - Yes, we can - concluiu afirmando "selamos o acordo". A designação do texto final, e a sua natureza, é uma das inquietações assumidas pelos que esperavam a consagração por tratado de uma política responsável nesta matéria. Independentemente das opiniões esperadas e não constantes das parcas intervenções do Presidente dos Estados Unidos, conviria avaliar as circunstâncias da forma jurídica assumida pela resolução final da conferência. As declarações, em si, não significam neces- sariamente falta de consistência das vontades políticas, antes poderão servir melhor uma época de incertezas, porque a sua maleabilidade abre caminho ao reajuste das políticas sem embaraços formais ou constitucionais. O processo de Bolonha está apoiado não em Tratado, mas em declaração. Mas o caso é diferente quando os factos apontam para as dificuldades que os chefes de Estado ou de Governo teriam para fazer aprovar nos seus legislativos o tratado que tivessem assumido. A batalha que o Presidente Obama teve para conseguir a aprovação da sua política na área da saúde, não anunciava que lhe fosse oportuno assumir uma nova batalha numa área em que os interesses instalados são poderosíssimos, e talvez não alheios ao facto de as divulgadíssimas conclusões científicas estarem a ser objecto de contestações audaciosas. Talvez estejamos numa área em que os discursos para a eleição deparam com a resistência das estruturas herdadas.
Outra nota que requer a atenção dos europeus resulta da limitada influência demonstrada pela voz da Europa na conferência em que, com suavidade semântica, "todos os governos concordaram em trabalhar no sentido de alcançar o objectivo comum a longo prazo de limitar o aumento da temperatura mundial a menos de 2.ºC, muitos governos assumiram compromissos importantes em relação à redução das emissões, registaram-se progressos significativos por parte dos países no que se refere à preservação das florestas, e os países concordaram em prestar um apoio substancial aos países mais vulneráveis para os ajudar a fazer face às alterações climáticas". Nesta síntese estão duas referências inquietantes quanto às convicções e propósitos dos responsáveis políticos, uma que diz respeito ao horizonte temporal, outra que respeita à ajuda aos povos mais vulneráveis. Anunciar a intenção de alcançar o objectivo comum a longo prazo, assenta na convicção de que os Estados mais poderosos imaginam ter à sua disposição um tempo a perder, e sem referência de limite, que as advertências científicas e éticas não apoiam. No que toca à ajuda aos povos mais vulneráveis, parece uma referência absolutória que tenta ignorar a exigência de uma perspectiva global, a qual não consente reservar liberdades aos mais poderosos, em atitude soberanista, como se os efeitos negativos não fossem um negativo património de todos os povos. Tomando boa nota de que a voz da Europa teve limitada audiência na conferência, um aviso sobre as suas dependências externas e debilidades internas, a única conclusão verdadeiramente consistente, tomada por analistas dos trabalhos, é que não pode adiar-se a transformação das vagas promessas de Copenhaga " em algo que seja real, mensurável e verificável" a tempo. Tudo porque a única coisa que podemos fazer com o tempo é não o perder.
in: DN 

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